terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Seminário sobre o Ensino Médio, inclusão e direito a Educação - Reflexões


Texto de Abdalaziz de Moura
Foto: alunas da Escola Anchieta Torres, em apresentação artística na comunidade.

De 2 a 5 de setembro de 2008 estive participando em Buenos Aires a convite do UNICEF de um Seminário sobre o Ensino Médio, inclusão e direito a Educação. Participaram em média 400 pessoas, entre ministros, secretários nacionais e 14 secretários estaduais do Brasil ou representantes deles, expertos na temática, convidados e mais 20 adolescentes e jovens dos países do Chile, Brasil e Argentina.

No primeiro dia houve a participação dos 20 jovens, cada um com 3 minutos, para dizer o que mudaria em sua escola de ensino médio. Começaram falar com a emoção de quem estava diante das autoridades máximas em educação dos três países. Algumas demandas eram comuns e outras específicas. Entre elas posso lembrar algumas:

Eu mudaria os professores porque eles não valorizam os alunos, não procuram saber das nossas necessidades, dos nossos sentimentos, só pensam em empurrar os assuntos dos livros...
Eu mudaria os conteúdos, pois são fora da realidade, não vão nos servir amanha, nem servem hoje e deixam de fora muita coisa que interessa...
Eu mudaria as salas de aula, os espaços que são apertados...
Eu mudaria os diretores, pois eles cuidam é do prédio e das normas e não das pessoas...
Eu mudaria o salário dos professores, pois eles não são compensadores e não são compensadores...
Houve até quem disse que mudaria tudo, pois o ensino médio no seu país não sabia a que veio...
Saíram mais coisas, possivelmente, nos anais do evento, teremos acesso a formulação precisa dos alunos.

Entre as jovens brasileiras, estavam só duas do Nordeste, entre essa, Amanda de Oliveira, uma aluno do campo, do município de Tuparetama, de 17 anos, do sítio Cajueiro, negra, estudante da terceira série do ensino médio. Quando chegou a sua vez, a conversa tomou outro tom e o depoimento dela foi assim:

De minha escola, eu não mudaria nada disso, pois o que meus colegas estão falando, na minha escola, a gente já tem e já faz. Lá os professores valorizam os alunos, ajudam a nós descobrir, conhecer e mudar a nossa realidade. O conteúdo do ensino, eles tiram da vida das comunidades, das famílias. O livro didático ajuda, mas são as pesquisas que eles passam, que levam o ensino para a realidade da gente. Ensinam matemática sobre o trabalho, o plantio, a horta, o caminho, o ganho. Nos estimulam a se engajar na comunidade, na cultura, na comunicação.

Esse depoimento de Amanda foi observado por muitos participantes, como a grande diferença. Algumas pessoas vieram falar comigo, para saber se a escola tinha os equipamentos modernos: internet, quadra de esporte, restaurante. Espantavam-se quando percebiam que uma escola de ensino médio, a 22 quilômetros da sede de um município pequeno pudesse ter tudo isso. Eu só fazia uma ressalva! É que trata-se de um ensino médio municipal!

Refletindo sobre essa viagem resolvi desdobrar mais esses fatos, e dedico esse texto aos professores dessa escola, que muito tem me ensinado a entender a educação do campo. Queria explicar qual é o segredo, pelo que entendo, dessa escola. A conheço e tenho certeza que muitos alunos se fossem no lugar de Amanda, diriam coisas semlhantes. O que é que é bom nessa escola?
1. Os professores consideram os alunos como pessoas importantes, como autores do processo de aprendizagem. Eles se angustiam, em dificuldade para construir as aulas como todos os demais professores. Mas sabem que estão diante de sujeitos de direitos. Considerar assim aos estudantes, de certo modo, os deixa mais tranqüilos e serenos, pois os alunos também os consideram assim. São parceiros de um contrato pedagógico!

2. Ensinar e aprender são tarefas que os aproximam. Ensinar não os coloca distantes, superiores aos estudantes. Os professores podem atrapalhar-se, equivocar-se, mas se sentem diante de amigos. Podem ter dificuldades didáticas como todos têm, mas sentem que estão procurando aprendizagens que sejam úteis para os seus educandos. Isso os conforta.

3. No seu contrato pedagógico, mais explícito ou menos, sabem que ambas as partes tem um compromisso em desenvolver as comunidades onde vivem. Podem não saber quais os instrumentais exatos para esse desenvolvimento, os conteúdos mais adequados e a didática mais favorável. No entanto, estão auto e hetero-confortados porque estão alcançando o melhor que podem e sentem a solidariedade dos colegas, dos alunos, dos familiares, das lideranças locais e dos gestores.

4. Não têm tanta certeza quanto tinham antes. Experimentam certa insegurança. Antes a segurança era garantida pelo exterior, pelo outros autores, pelo que já estava traçado, pelo que tinham aprendido na universidade. Agora , a segurança que experimentam é a de quem se sente construindo, inovando, elaborando as suas próprias idéias, essas interagindo com a vida dos estudantes, das pessoas do lugar. A inovação os desafia, os provoca, deixa-os, às vezes chateados, pois tem que preparar aula com motivação maior.

5. Sentem-se diante de pessoas concretas, com nome e endereço, jovens do lugar com os desafios de sua época e de seu espaço, da geração de renda, da profissionalização. Uma boa parte conhece também os familiares. Esse sentimento os conforta, como aos educandos, como aos colegas, como aos familiares. O seu desconforto é na busca do melhor, do mais útil, do que faz o educando assumir a vida, o território.

6. Sabem que não sabem de tudo o que é necessário para educar e formar os jovens, reconhecem o limite de sua escola e de suas especialidades. Daí são abertos e procuram apoio de outros autores. Não porque são incapazes, e sim porque são seres incompletos. Sabem que a educação não é só tarefa da escola. Daí, buscam técnicos de ONG, de outros programas, procuram cursos complementares, vão atrás da cultura, da arte, das comunicações, dos produtores/as familiares, do esporte. Buscam outros meios no processo educativo, o mutirão, o passeio, a gincana, o esporte, a pesquisa, o plantio, a comercialização dos produtos.

A isso tudo é que o Serta vem chamando de postura filosófica, de crença nos valores, ou de concepção da educação. É possível fazer assim porque se cultiva uma filosofia educacional. Se essa dimensão estiver presente nos professores, nas escolas, nos gestores, toma conta dos alunos, dos familiares, dos demais autores e atores que se articulam com a educação. Se houver essa dimensão fica mais fácil ir atrás de todas as demais, pois ela incorpora atitudes, valores, humildade, interesse, compromisso, solidariedade, mobilização social e interesse muito especial para construir conhecimentos.

É constatação geral que todas as professoras/es que adotaram a Peads passaram a estudar mais. Quem não graduação foi fazer, quem tinha graduação foi para a especialização. Lêem muito mais do que liam antes, escrevem mais e pesquisam, participam de oportunidades de capacitação e formação. 

Com essa postura fica mais fácil:
• Ir atrás de uma didática melhor;
• Ir atrás de um conteúdo mais adequado;
• De avaliações que dêem conta de resultados mais complexos e completos;
• De infra-estrutura mais confortável;
• De material didático mais apropriado;
• De salários mais gratificantes.

Em outras palavras, quero dizer que essas coisas são subordinadas, obedecem à filosofia, dependem dessa. A filosofia trata do fim da educação, das grandes concepções de pessoa, de mundo, de trabalho, de sociedade, de desenvolvimento, de homem, de mulher, de cultura. A filosofia é quem significa e dá sentido.

O professor equivoca-se quando pensa que a ciência, o conteúdo da disciplina, o salário, a infra-estrutura, a tecnologia da informática é o que falta nas escolas. Evidente que tudo isso falta, ou existe de maneira fragilizada e fragmentada. Perto de Tuparetama tem outra escola, na comunidade de Baraúnas. Tive oportunidade de ver a carência da infra-estrutura para ser uma escola de ensino fundamental. Porém, a escola, os educadores/as, gestores/as partilhavam da mesma filosofia das de Tuparetama. Passaram a ter sentido, significado para os alunos, as famílias e as comunidades.

Agora, estão conseguindo quadra de esporte, auditório, laboratório de informática e um hectare de caatinga exuberante, como laboratório de estudo do semi-árido. Vai ficar muito melhor, mais gratificante, mais fácil, mais motivador para os educadores/as e educandos/as. Mas, se não tivessem feito a diferença antes, essas novidades não teriam o mesmo efeito. Os alunos não sentiriam como conquista, a comunidade não se sentiria responsável, os professores não se sentiriam empoderados e as relações com os alunos não mudaria. Agora todos sabem o quanto tem de zelar por esse patrimônio, o quanto têm que fazer valer, o quanto o compromisso tem que ser maior, o ensino mais gostoso, a aprendizagem mais completa.

É esse elemento básico que a Peads – Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável tem para oferecer. Ela não dá o peixe a ninguém, ensina a pescar e a criar o peixe, a tratá-lo, a aproveitar todos os seus recursos. Alguns estranham, pois, queriam coisas mastigadas para aplicar em sala de aula. 

Gostaria de saber se os educadores/as aos quais me refiro confirmam ou não essas reflexões, partilhem comigo pelo e-mail abdalazizdemoura@hotmail.com.

Abdalaziz de Moura

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