segunda-feira, 16 de março de 2009

TEXTO - Concepção de PESSOA

Texto preparado como material didático para a formação dos ADL, estudado também por professoras, importante para conhecer a dimensão filosófica da Peads.


É muito comum escutar que toda pedagogia traz dentro de si uma concepção de pessoa, de mundo, de sociedade. Dependendo dessa concepção de pessoa, a educação toma um rumo ou toma outro. A educação define qual será a didática, quais serão as estratégias dos planos de aula, o sistema de avaliação, a relação entre educador e educando. Outra forma de dizer a mesma coisa é dizer que toda pedagogia tem uma filosofia que lhe dá o rumo. Numa linguagem comparativa, a pedagogia ou a educação é o barco, a filosofia é o piloto que usa o leme. A pedagogia é o veículo, a filosofia é o motorista que usa a direção. Posso ter um carro e dirigi-lo para o bem das pessoas, ou posso dirigi-lo para o mal, ou simplesmente não sair da garagem com ele, deixar só para enfeite. Esse texto pretende explicitar melhor a compreensão do que seja a concepção que as pessoas têm da pessoa, homem ou mulher. Compreender isso é um ponto fundamental da formação do Jovem. A partir da concepção que o jovem construir sobre si mesmo e sobre as demais pessoas, ele vai decidir que rumo seguir, que ação escolher, que relação manter com as demais pessoas. A professora, a partir da concepção que ela tem de si mesma, ela vai ensinar de uma forma ou de outra, vai relacionar-se com seus alunos de um jeito ou de outro. O agricultor, a partir da concepção que ele tem de si mesmo, ele vai trabalhar de uma forma ou de outra, vai entrar no sindicato ou associação de um jeito ou de outro.

1. O que significa concepção de pessoa.

No período em que não se valorizava a questão de gênero, os autores falavam da concepção de homem, Hoje se fala ou da concepção de homem e de mulher ou da concepção de pessoa. A raiz da palavra vem do latim, é a mesma que conceber, gerar ou criar no útero uma criança mediante o amor de um homem e uma mulher. Esse sentido original da palavra não é à toa que a história lhe conferiu. Conceber uma idéia ou conceber uma criança é como dar início a uma criação. É como está no início e no princípio da idéia ou da criança. “É ser pai ou mãe da criança”. Usamos comumente a palavra “pai da criança” quando queremos nos referir a quem foi o pai de uma idéia, de um projeto, de uma inovação.

Numa linguagem simbólica e figurada, a história enriqueceu o conceito de concepção para significar mais do que a geração ou criação de uma pessoa. Passou a significar também a criação de uma idéia, de uma obra de arte, de um projeto. Nesse sentido dizemos que Paulo Freire concebeu uma filosofia da educação original, Bethoven concebeu a nona sinfonia, e Oscar Niemayer concebeu a arquitetura de Brasília.

Outros sentidos foram acrescentados a palavra “concepção”. Passou a significar a idéia fundamental que temos a respeito das pessoas, da vida, da sociedade, da natureza, dos valores, do trabalho, da cultura, da história, da política, do desenvolvimento etc. A respeito desses elementos básicos todas as pessoas formam, criam ou constroem suas concepções. É muito comum a pessoa assumir e assimilar a concepção de outras, como dos pais, das mães, dos professores, das autoridades, de um amigo, de um ídolo da arte ou da comunicação.

2. Todos desenvolvem concepção de pessoa.

Em geral a pessoa assume uma concepção sem pensar que está assumindo, vai aos poucos vivenciando alguns valores, desenvolvendo algumas idéias sobre as coisas que lhe cercam, algumas estratégias de sobrevivência. E usam expressão desse tipo:
“No meu modo de pensar”, “no meu modo de ver”...
“É porque não depende de mim, mas se dependesse, eu faria assim ou faria assado”...
“Se eu fosse uma autoridade” ou “Se eu fosse o professor passaria”...
“Eu queria ser um juiz para ver se não poria ordem nessa cidade!”

Essas formas espontâneas de se exprimir revelam que cada pessoa tem uma maneira de conceber a vida, as outras pessoas, as relações entre elas, a sociedade, o governo, o estado. Querendo ou não, as pessoas têm suas próprias idéias ou concepções, ou imitadas dos demais, ou assimiladas de um líder ou de uma autoridade, ou reconstruídas e ré-elaboradas. Pode ter de uma forma muito consciente e explícita, quando a pessoa reflete muito, faz leituras de outros autores, escreve e desenvolve seus pensamentos. Mas pode ter de uma forma muito espontânea, inconsciente, irrefletida, como o sangue que pulsa nas veias, ou o ar que penetra nos pulmões. As pessoas não ficam pensando na pulsação do sangue, nas batidas do coração, mas se o coração parar de bater e o sangue deixar de correr, a pessoa morre na hora. A mesma coisa é o ar, se deixar de entrar e sair no pulmão, a pessoa morre asfixiado. 

Mas o médico tem muita clareza do que seja a pulsação, o monge que medita e controla sua respiração, tem muita consciência do que seja a energia do ar que entra no pulmão. Na formação do em Agente de Desenvolvimento - ADL, nós vamos fazer como o médico faz com a pulsação do sangue e o monge faz com a respiração. Vamos explicitar a concepção que o jovem tem e desenvolve sobre si mesmo, e sobre as demais. Vamos procurar a fundo saber como o jovem se concebe, isto é, como olha para si, como se pensa, se imagina, que idéia ele tem de si mesmo, de seu papel na família, na sociedade, na escola, no trabalho. 

Em outras palavras, nós vamos aprofundar a filosofia. Filosofia todo mundo tem, todo mundo é filósofo, porque todo mundo tem concepção. Já a ciência é diferente, todo mundo não tem, só alguns adquirem conhecimento da ciência, da matemática, da física, da história, das línguas. Mas a filosofia é de um plano superior ao da ciência. Toda pessoa desenvolve filosofia, maneira de conceber a realidade do mundo, só que uns desenvolvem com muito mais oportunidades, outros com menos. O ADL é um profissional que vai aprender a desenvolver filosofia, é um estudante de filosofia. O peso maior do curso é de conteúdos filosóficos. Os conteúdos filosóficos alimentam a postura, o comportamento das pessoas. 

3. Como o jovem olha para si mesmo

Dependendo da forma como o adolescente ou o jovem se concebe, olha para si mesmo e se imagina a si próprio, assume tal ou tal atitude diante da vida. Por exemplo, se ele olha para si como uma pessoa que não tem capacidade, que só traz problema para os pais e professores, que ninguém lhe escuta, nem lhe entende, esse jovem ou adolescente vai se comportar seguindo sua concepção. Ele vai sentir-se inseguro diante dos outros, vai sentir-se tímido, acanhado, sem iniciativa, ou vai procurar um jeito estranho de chamar a atenção dos outros ou vai procurar reforço fora de si, na bebida, no apoio de um amigo ou de um líder para enfrentar o mundo.
Mas se o adolescente se olha com uma outra concepção, por exemplo, como alguém que tem potencialidade, capacidade, que tem uma palavra que lhe é própria, desenvolve idéias próprias, pode contribuir com a solução dos problemas, esse jovem vai tomar atitudes de protagonistas, com autonomia, auto-estima, autoconfiança e não vai precisar de apoio externo ou de estimulantes para se guiar na vida.
Essa diferença é muita maior do que imaginamos. E como vemos tem repercussão imediata sobre a vida das pessoas. Sobre o rumo da vida das pessoas. As concepções ajudam as pessoas a construírem as respostas sobre as grandes interrogações, sobre o para que, porque, qual o sentido da vida, do bem, do mal, do amor, do ódio.
Por isso é tão importante o jovem ou o adolescente, como qualquer outra pessoa, ter mais clareza sobre suas concepções a respeito das pessoas. Sabemos que tradicionalmente pinta-se um quadro onde o adolescente é um aborrecente, um revoltado, uma pessoa imatura, que depende do dinheiro do pai ou mãe, depende da autoridade. Essa concepção não é a da formação do ADL, o ADL é o contrário de tudo isso. Mas é ele que tem que construir essa concepção.

A mesma coisa com os produtores que formamos. Nós não vamos fazer formação só com os conhecimentos de conservação de solo, de controle de pragas, de planejamento da propriedade. Vamos também desenvolver conteúdos filosóficos. Esses conteúdos vão orientar as técnicas. Com as professoras, não vamos fazer formação só com os conhecimentos didáticos, com psicologia, com sociologia, vamos, sobretudo, desenvolver filosofia, concepções pedagógicas. De acordo com a concepção filosófica, com a imagem que ela faz de seu papel, ela vai se relacionar com os alunos, com as famílias, com os textos, com as dinâmicas, com o planejamento e a avaliação.


Abdalaziz de Moura


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