quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

TEXTO- CONCEPÇÃO DE MUNDO E NATUREZA

Foto: Alunos da Escola Maria Dalva - Salgueiro

CONCEPÇÃO DE MUNDO E NATUREZA
Texto complementar ao texto  "Concepção de pessoa e de história" , escrito com a mesma finalidade.

Abdalaziz de Moura


Como a concepção de pessoa que se tem determina as nossas relações com os outros e as outras, a concepção de mundo e natureza que se tem determina a maneira de se relacio-nar com a natureza. Do cientista mais esclarecido ao agricultor familiar mais simples, todas as pessoas têm um entendimento, uma maneira de explicar a natureza e as rela-ções entre a natureza e as pessoas. Vamos aprofundar essa questão nesse texto.

Quem está no Pará, no coração do conflito, que causou a morte da Irmã Dorothy, missionária católica e de várias outras lideran-ças tem concepção de natureza. Em uma concepção, as pessoas pensam que a vegetação exuberante da mata está lá para gerar dinheiro para as empresas madeireiras. Para isso e por conta dessa concepção, usam a moto serra como instrumento de trabalho. Derrubam toda a árvore que ser-ve para fazer madeira e exportar. 

Há uma outra concepção, que vê aquela exuberância de vegetação sujeita a determinadas leis físicas, químicas, biológicas, que merecem um trato muito especial, para manter a temperatura e o clima do mundo em condições saudáveis. Para manter a água doce, manter a vida da população local, manter as espécies de vida, a biodiversidade animal e vegetal, e por conseqüência, pensar uma economia que produza a vida, um mercado que favoreça o ga-nho e a renda das pessoas do lugar com dignidade e respeito.

As concepções que mais marcaram e marcam o pensamento da humanidade.

Atualmente, existem fundamentalmente duas concepções básicas da natureza e das relações entre as pessoas e a natureza. Uma que predomina, sobretudo a partir do Renascimento, século XVI, que avançou muito com o desenvolvimento das ciências, no período da história, conhecido como “Época Moderna”. É a concepção que entende a natureza subjugada ao homem. O homem nessa maneira de conceber é o Rei da Natureza. A natureza está aos seus pés, “como escrava” (BACON, Francis). Cabe ao homem explorá-la, tirar o proveito que puder para o seu conforto, os seus desejos e necessidades. 

Para tratá-la dessa forma, o homem tem uma grande aliada, uma ferramenta muito apropriada e eficiente, que é a Ciência Moderna. A ciência moderna ajuda o homem a vencer as leis da natureza, a superá-las, a utilizar os rios, as águas, os ventos, as chuvas, de acordo com o interesse das pessoas. Essa concepção provoca no homem relações de dominação, como entre um rei e um escravo. A ciência, e o que deriva dela, como a economia, a política de desenvolvimento contribui para manter essa relação. O que “interessa é o interes-se” do dominador, do senhor, do homem. Inclusive em relação a mulher! 

Quando essa concepção criou força e foi se explicitando, foi o tempo que os países latino-americanos, a África e a Ásia passaram a ser colonizados pelos europeus. Imbuídos dessa con-cepção, quando os portugueses viram nossas matas, entenderam logo como oportunidade de ganhar dinheiro, pois esse era o seu interesse. O Pau Brasil, com a cor de brasa que tinha, servia para uma tinta famosa na época e para móveis de luxo. O colonizador não pensou duas vezes, passou a se relacionar com os índios para que os índios facilitas-sem o corte, o transporte do pau Brasil, até quase a extinção da espécie na mata atlântica. Já o colonizador espanhol quando viu o ouro dos astecas no México e a prata dos incas no Peru, não tiveram o menor escrúpulo em destruir suas cidades para saquear os tesouros de ouro e prata e a transformá-los em barra para facilitar o transporte de navio para a Europa. 

O que interessava ao colonizador era a riqueza que iria encontrar nas Américas. Nessa época estava se formando essa concepção, que o mundo estava para ser conquistado, os mares para serem navegados até o limite da capacidade humana, que os medos teriam de ser superados, que o homem não precisaria mais se subjugar às forças da natureza, nem ao mundo sobrenatural e sim, o inverso. Desde essa época histórica, que o homem moderno vem ampliando essa concepção, firmando-la na mente das gerações, sobretudo nos países europeus do ocidente, liderados pela Inglaterra, França e Alemanha, e nos Estados Unidos e Canadá.

Essa concepção, com relativa facilidade, foi se ampliando não só às relações entre o homem e a natureza, como também entre o homem rico e o pobre, entre o branco e o negro, entre o colonizador europeu e o índio, entre o homem e a própria mulher. Alargou-se no mundo entre os países ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres (Dom Hélder Câmara). Vandana Shiva, autora indiana e engenheira nuclear tem um livro que mostra como a concepção de mundo do ocidente terminou se transformando em uma concepção machista, dominadora não só da natureza, mas também da mulher e destruidora do meio ambiente. As mesmas idéias estão trabalhadas no livro de Friti-jop Capra, A Sabedoria Incomum .

Uma concepção diferente

Há uma outra concepção diferente dessa, que em vez de conceber o homem como senhor do mundo, fora domundo, concebe como participante do mundo, dentro do mundo, sujeito às leis da natureza. Uma outra concepção que também usa a ciência, mas com outro fim. Usa a ciência para facilitar a lei da natureza, numa relação de cooperação, não de exploração ou de dominação. Também como a outra concepção tem conseqüência na vida prática, na economia, nas relações entre pessoas, entre gênero.

Pegando o exemplo do Pará e do Rio de Janeiro, onde em 2005 já aconteceram as mortes da Irmã e de um Ambientalista, ou o exemplo da morte de Chico Men-des no Acre, porque morre-ram? No fundo está o choque de duas concepções. Chico Mendes queria um desenvolvimento com os povos da floresta, possibilitando o “manejo sustentável da mata”. Para ele essa forma de manejo era suficiente para as pessoas viverem dignamente, utilizarem a madeira, as essências, os frutos, o mel, sem agredir a natureza, deixando seus elementos se perpetuarem para todas as gerações futuras que viessem a habitar o planeta naquele território. Essa concepção reconhece a história do lugar valoriza os conhecimentos dos antepassados, dos índios, dos seringueiros, os recursos locais. 

Essa concepção também inspira um modelo de desenvolvimento, que em vez de deixar o lucro para as empresas madeireiras do estrangeiro ou do sul do país, deixa as riquezas para melhorar as condições de vida das pessoas do lugar. Para isso, a ciência aplicada no território deve produzir conhecimentos, ferramentas, equipamentos que ajudem a natureza a manter suas leis, a biociência ajude a aproveitar as riquezas que existem no solo, nas plantas, nos microorganismos, nos animais. E que valorize as riquezas das pessoas, da cultura, da história local.

Conseqüências na vida prática das pessoas e grupos humanos

Como dá para perceber, trata-se de idéias, de maneira de pensar, de ser, de comportar-se diferentes. Uma concepção leva a determinados tipos de atitude e outra leva a outros tipos. E essas atitudes são de vida prática, são de vida cotidiana. E quem a aplica e desenvolve essas concepções não são só os estudiosos, os pesquisadores, os intelectuais. O agricultor familiar, o assentado da reforma agrária, o usineiro, o jovem, a professora, o gestor público ou privado também desen-volvem essas concepções.

Temos por exemplo entre os agricultores ou agricultoras familiares aqueles que plantam, criam, vendem, mas que da natureza só pensam em tirar, em explorar, em conquistar o sustento da família, dos seus animais e das suas plantas. O que interessa para eles é ganhar mais, produzir mais. Se para ganhar mais for necessário acrescentar adubo químico, eles acrescentam, se for necessário por veneno no mato para ganhar mais rápido, eles põem, se for necessário para o ganho usar o agrotóxico contra as pragas, eles usam.

Essa concepção usa a natureza como se tivesse fora dela, usa equipamentos e materiais desenvolvidos pela ciência para explorar mais ainda. Não se importa com as leis da natureza, o que devolve e joga na terra é aquilo que não faz bem a ela, pelo contrário, prejudica. Impede que as leis da natureza cumpram sua função. Esse agricultor ou agricultora que faz isso não vive nas cadeiras das universidades. Isso prova que para desenvolver concepção, para ter filosofia, todas as pessoas fazem e possuem. E prova também como a concepção que a pessoa tem da realidade tem conseqüências no dia-a-dia da vida.

Vejamos o caso do agricultor que pratica a permacultura ou a agricultura orgânica. Ele sabe que não é suficiente cuidar da planta, dos animais e da família. Tem outro componente que ele precisa cuidar que é exatamente, o que dá a vida à planta, aos animais e à família. Esse componente é a natureza com todos os elementos que fazem parte dela: o solo com os micro-organismos, os fungos, as bactérias, os insetos, as águas, as plantas, o clima, a temperatura, o vento, o sol, etc. 

Esse agricultor ou agricultora trata o solo e a natureza com carinho, em cooperação, facilitando o trabalho da própria natureza. Por exemplo, em vez de por um veneno para matar o mato que cresce entre as plantas, ele ou ela pega os matos e os trata como a natureza gosta de fazer, facilita o trabalho dela. E como a natureza gosta? Gosta de fazer do mato, o alimento para o solo, para os microorganismos. A natureza quer esse mato de volta, transformado outra vez em terra.

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